Crianças e adolescentes em situação de abrigamento
Crianças e adolescentes em circunstância de risco encontram-se em situação de vulnerabilidade social, sofrem as consequências das desigualdades sociais; sem parâmetros de vínculos afetivos com a família e com as demais atmosferas de sociabilização; sem alcance à educação, saúde, lazer, cultura, trabalho e alimentos; exploradas com trabalho infantil; sem perspectiva de futuro profissional; com tendência para ingressar no mundo do tráfico e das drogas.
Atualmente existem várias razões para a institucionalização de uma criança e adolescente, dentre elas estão o abandono, a orfandade, negligência, maus tratos físicos e psicológicos, abuso sexual, trabalho infantil, uso de drogas ou álcool, pobreza, problemas de saúde, dentre outros aspectos que põe o menor em situação de risco. Essas crianças e adolescentes necessitam ser entregues a instituições de acolhimento, a fim de contar com condições básicas a sua sobrevivência.
Os motivos que levam a institucionalização desses menores mostram que o problema está arraigado na sociedade, de modo que se devem desenvolver estratégias, bem como uma maior aplicabilidade das políticas públicas existentes, a fim de que haja uma redução desses pretextos. Faz-se necessário oferecer um suporte social e financeiro para que famílias carentes sejam capazes de superar suas privações e assim, reduzir o número de crianças e adolescentes que necessitam do serviço de acolhimento.
Razões para encontrar crianças em abrigos
Segundo Rizzini e Rizzini (2004), as crianças que chegam a ser abrigadas são todas aquelas que de alguma maneira foram abandonadas ou tiveram a relação debilitada com suas famílias ou com a sociedade. No geral, essas crianças e adolescentes provêm de famílias desestruturadas financeiramente e emocionalmente. Elas transitam entre casas, ruas e instituições, nas quais acabam vivendo suas próprias experiências pessoais e formando seus caráteres.
Mesmo após 30 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), os motivos pelos quais as crianças e adolescentes são abandonados são os mesmos. Para Rizzini e Rizzini (2004) o referencial jurídico relacionado à criança e ao adolescente foi claramente associado ao problema da marginalização do menor, conforme citado anteriormente. A categoria constituída como menor de idade, a qual vai de 0 aos 18 anos incompletos, dividia a infância em duas: a) crianças que possuem família com boas condições financeiras; b) e crianças pobres. A primeira resultaria em adultos do bem, já a segunda em adultos potencialmente perigosos e pervertidos. A partir dessa visão ambígua da infância foi constituído um aparato “médico-jurídico-assistencial”, cujo objetivo foi definido em função da prevenção, educação, recuperação e repressão.
Até que no ano de 1990 foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Antes de sua promulgação as crianças e adolescentes eram regidas pelo Código de Menores de 1927 e 1979, conforme citado no item anterior, devido à perspectiva correcional e repressiva que a infância pobre do Brasil possuía.
De acordo com o preceito, inspirado pelo antigo Código de Menores, as instituições possuíam uma homogeneidade espacial e grupal, na qual as crianças e adolescentes eram impedidos de imprimir suas características pessoais ao espaço, bem como demonstrações de manifestações individuais – como vestir-se, fazer diário, brincar – esses fatores, sem dúvida, dificultavam a superação do quadro em que se encontravam.
Após a aprovação do ECA as políticas públicas foram subdivididas em dois grupos: medidas de proteção e medidas socioeducativas. Estas são aplicadas a adolescentes que tenham praticado ato infracional e as primeiras destinam-se às crianças e adolescentes em situação de risco social e pessoal. De Acordo com o ECA (1990) as medidas de proteção são aplicáveis quando os direitos legais da criança e adolescente forem ameaçados ou violados:
I. Por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II. Por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III. Em razão de sua conduta.
Qualificam-se por “crianças abrigadas” as crianças moradoras dos lares provisórios, as quais se encontram em situações diversas, podendo ser órfãs, abandonadas ou separadas da sua família biológica por medida de proteção, porém todas estão em uma situação de exclusão de uma família (SNIZEK, 2008).
Quando a criança ou adolescente é encaminhada para situação de abrigamento elas ficam sob a guarda do Estado e suas famílias passam a responder a processo judicial, no qual será decidido a respeito do pátrio poder da família. Enquanto o menor está abrigado, as famílias sofrem intervenção do Estado, na forma de “promoção familiar”, nela é exigida adequações dos membros e da dinâmica familiar conforme modelo estabelecido pelo ECA. Quando se entende que a criança encontra-se em situação de risco extremo ela é retirada do convívio familiar e passa a condição de abrigada.
Nesse sentido:Abrigar crianças desafia os princípios que fundamentam nossa vida em sociedade, os quais entendem a família como formadora de seus membros. Em última instância o abrigamento contraria um dos princípios fundamentais do ECA, que é o convívio familiar, pois separa crianças e adolescentes de sua família. Sendo a família um valor fundamental em sociedades ocidentais modernas, como podem ser pensadas famílias que oferecem riscos aos seus membros e a separação das mesmas de forma pública .
O valor da habitação
Segundo a Organização Pan-americana de Saúde o significado de moradia adquire maior importância na medida em que diminui a idade das crianças ou em que aumentam a idade dos adultos. Ou seja, crianças e idosos são especialmente dependentes da habitação por sua maior necessidade de proteção e permanência em casa. E assim como todos os cidadãos as crianças e adolescentes também têm direito a moradia digna que lhes permita o pleno desenvolvimento e a proteção da sua integridade física, moral e psíquica . Desse modo, os menores em situação de acolhimento merecem uma atenção especial pela situação peculiar que se encontram, vivendo em um espaço que não é seu lugar de origem e com pessoas com as quais não possuem vínculos familiares.
Sousa (2013) afirma que as crianças institucionalizadas são classificadas socialmente porque vivem em uma instituição, são categorizadas dessa maneira, o que reitera a condição em que se encontram. Desse modo, elas tendem a ser rotuladas por fazerem parte de uma categoria que difere do que é “normal” na sociedade. Por consequência as crianças e adolescentes institucionalizadas são excluídas socialmente, devido ao fato de não possuírem família e fazer parte de um contexto social diferente do “comum”.
Conforme o IPEA (2004) os abrigos no Brasil atendiam cerca de 20 mil crianças e adolescentes. Ao se comparar com os dados da última pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (2020), a qual constatou que no Brasil existiam 34 mil crianças e adolescentes em situação de acolhimento, pode-se perceber um aumento considerável do número de menores no sistema de acolhimento, de modo que a maior concentração encontra-se na região sudeste do país (gráfico 01). Quanto ao sexo a diferença entre meninas e meninos acolhidos é irrisória (gráfico 02).
Grande parte das crianças e adolescentes que vivem nos abrigos são oriundas de famílias que não possuem os meios indispensáveis para oferecer uma sobrevivência digna. Isto dificulta a garantia aos direitos fundamentais, pois se encontram em situação de precariedade no que diz respeito à moradia, saneamento, provimento de alimentação de qualidade, acesso à saúde e à escola, entre outras situações de carência socioambiental. Essa carência de recursos das famílias segundo o gráfico anterior é o maior motivo de ingresso de crianças e adolescentes em abrigos.
“[…] criança nunca é simplesmente uma criança e, sim, uma certa criança, vivendo certa condição, num certo contexto definido” , ou seja, toda criança deve ser tratada de maneira única e individualizada, de modo que se preze pela sua infância, qualidade de vida e bom desenvolvimento pessoal e emocional. Dessa maneira, deve-se dar uma atenção especial aos espaços de acolhimentos destinados a elas, pois as crianças e adolescentes em situação de acolhimento necessitam de cuidados ainda mais individualizados e especiais.