O valor da casa para o homem
O significado da casa
O ato de habitar é algo corriqueiro na vida do homem, mas essa questão envolve conteúdos muito mais profundos, como: O que é uma casa? Qual a importância da casa para quem habita? Quais os elementos a diferenciam de um lar? A busca por esse conceito é também a busca pela subjetividade do homem e sua relação com o espaço que habita.
A história da casa foi um componente indispensável no desenvolvimento da intimidade humana, pois a casa representou a transição do nomadismo para a vida sedentária, a criação de núcleos urbanos e a vida em sociedade. A primeira “casa”, após o homem deixar a caverna, foi a cabana primitiva, a qual foi chamada de “edifício primeiro”, a “casa de Adão e Eva”.
O termo casa é um substantivo feminino que pode significar: “Moradia; construção em alvenaria, com distintos formatos ou tamanhos, normalmente térrea ou com dois andares, geralmente destinada à habitação”, ou ainda, “Lar; ambientes onde pessoas de uma mesma família habitam o mesmo lugar; reunião dos indivíduos que compõem uma família: a casa dos brasileiros”.
O significado da palavra casa
Não existe um consenso acerca do significado da casa, o termo normalmente é entendido como moradia, residência e habitação. A palavra morar, em latim significa permanecer; residência, em latim significa assentar-se e subsistir; já habitar, deriva do verbo latim habere, que quer dizer lugar onde se estar bem.
O ato de morar é um direito fundamental garantido a todo cidadão, é uma necessidade básica do ser humano, assim como comer e se vestir. De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos a moradia não deve ser uma construção isolada, pois uma habitação adequada significa algo mais do que um teto sob o qual se é protegido. Esse teto deve promover privacidade, espaço suficiente, acessibilidade física e segurança, além disso, deve ter estabilidade e durabilidade estrutural, iluminação, aquecimento e ventilação suficientes.
Para Rybezynski (1986) o bem estar proporcionado pela casa é uma necessidade fundamental para as pessoas, que está profundamente enraizada em cada uma e que precisa ser satisfeita. Esse bem estar proporciona a sensação de intimidade, privacidade, domesticidade e de um ambiente aconchegante, o qual é marcado pelos vestígios da vivência e da marca de cada um.
Bachelard (1996) em seu clássico, A Poética do Espaço diz que o maior poder da casa é integrar os pensamentos, as lembranças e os sonhos, esses são ligados pelos devaneios, que são os valores que marcam as pessoas em sua complexidade. O passado, o presente e o futuro proporcionam diferentes dinamismos a casa. A casa sempre está presente nos devaneios e lembranças das pessoas. Além disso, a casa natal está inscrita em cada um e pode ser compreendida como “corpo dos sonhos”, ou seja, cada pessoa tem sua casa onírica, uma “casa lembrança-sonho”.
A grande atribuição do ato de morar é singularizar o espaço no qual se vive. Segundo Fischer (1990) a expressão “minha casa” vai além do significado de posse de um “bem”, esse termo possuí duas vertentes, a primeira diz respeito à proteção contra o mundo exterior e a segunda ao apego ao lugar como fator de identidade de quem o habita. Dessa maneira a casa representa uma espécie de defesa aos fatores externos, separa o mundo externo, o qual é inseguro e ameaçador, do interno, que é protegido.
Nessa comunhão dinâmica entre o homem e a casa, nessa rivalidade dinâmica entre a casa e o universo, estamos longe de qualquer referência às simples formas geométricas. A casa vivida não é uma caixa inerte. O espaço habitado transcende o espaço geométrico.
A importância do lar para todos
Coulanges (2006) elucida que a casa do grego ou romano trazia um altar, no qual sempre havia um pouco de cinzas e carvões acesos. Era obrigação do líder da família manter essa chama acesa. Toda manhã havia o cuidado de alimentar o fogo, para não deixá-lo morrer. O fogo era algo divino que era adorado e cultuado. Dessa maneira o Deus do fogo era a providência da família. O fogo sagrado, além da ligação que possuía com o culto aos mortos, tinha como caráter essencial pertencer a uma única família, era o fogo da lareira que agregava ao seu redor todos os componentes da família.
Foi nesse contexto que surgiu o termo lar, que assim como o fogo proveniente da lareira tem função de “aquecer” quem o habita. Cada casa tinha seu próprio fogo que não possuía relação nenhuma com o fogo da próxima casa, cada chama protegia apenas a sua família. O fogo sagrado jamais era colocado fora da casa e era até mesmo oculto aos olhos dos estranhos.
Mussi e Côrte (2010) trazem o sentido afetivo da palavra moradia, onde a casa é o lugar destinado à construção de relações, vínculos, uma espécie de reservatório de lembranças, de modo que qualquer detalhe, como um cheiro, um objeto, apresentam a maneira como ela é ressignificada pelos seus usuários. No interior da casa é onde se realizam grande parte das atividades, onde o corpo e a mente descansam e se sentem seguros do mundo exterior, onde se pode sonhar. No espaço privado da casa pode-se ser você mesmo, sem restrições.
Nas línguas de origem anglo-saxônica, diferentemente das línguas latinas, existe uma separação entre os termos house (casa no sentido material) e home (lugar onde se vive), em português os termos que mais se aproximam são casa (house) e lar (home). “‘Home’ significava a casa, mas também tudo que estivesse dentro ou em torno dela, assim como as pessoas e a sensação de satisfação e contentamento que emanava de tudo isso”.
O fio do prumo deixou-lhe a marca de sua sabedoria, de seu equilíbrio. Tal objeto geométrico deveria resistir a metáforas que acolhem o corpo humano, a alma humana. Mas a transposição para o humano ocorre de imediato, assim que encaramos a casa como um espaço de conforto e intimidade.
A arquitetura de uma casa assume uma dimensão simbólica, produzindo sensações e significados, como resultado do sentido de pertencimento do individuo ao lugar que habita. Desse modo, “[…] o espaço arquitetônico se faz presente como abrigo de experiências e dos hábitos inerentes às diversas formas de morar.
Сasa para expressar símbolos negativos
Contudo algumas vezes a casa possui uma expressão simbólica negativa. Para algumas pessoas a casa pode representar um vazio, um local onde as pessoas não conseguem se conectar com elas mesmas e com o espaço. Essa casa é composta por significados negativos, pois as pessoas apenas ocupam esse espaço fisicamente, mas não afetivamente, não se apropriando dela ou se sentindo pertencentes a ela. Quando isso ocorre a arquitetura falhou, pois a casa deve ser a representação de quem o habita, além de possibilitar sua apropriação e as relações afetivas. A casa transcende a subjetividade por si só, seja positivamente ou negativamente, como se pode ler:
Seja qual for a casa, ela é mais que sua construção concreta; ela é em essência subjetiva. Entendemos a subjetividade como nosso mundo interno. O espaço psíquico, lugar onde vivem as emoções, os sentimentos e também as percepções, a memória e a imaginação. Apesar de estarmos falando de um espaço individual e único, o meio social tem influência decisiva na constituição desse universo interior. O modo de vida, as oportunidades, as circunstâncias familiares e sociais é que vão dizer quais as condições de construção interna.
A casa é o maior referencial, em termos físicos, de espaço depois do próprio corpo. “Ela – a casa – está na origem da nossa construção enquanto indivíduos” (CORDEIRO, 2015, p. 13). Assim, ao se construir uma casa deve-se levar em conta não somente seus aspectos construtivos, mas sobretudo seus elementos subjetivos como as sensibilidades, valores, costumes e as relações que irão ocorrer naquele espaço.
A casa não é algo meramente objetivo, pois é parte constituinte das pessoas e da sua formação enquanto sujeitos. A casa é o lugar da interação entre o social e o particular; entre o público e o privado “Sem ela, o homem seria um ser disperso. Ela mantém o homem através das tempestades do céu e das tempestades da vida. É o corpo e é a alma. É o primeiro mundo do ser humano” . Dessa maneira pode-se considerar que a relação do indivíduo com sua moradia é um dos principais elementos para formação da sua identidade.
A casa é morada. A morada abraça a história de cada um com uma ternura quieta e desassombrada. Ela é como um cais, oceânico e amoroso, que guarda os cheiros das travessias dos corações. A morada de cada homem esconde o que se desfaria no mundo de fora, silencia os ruídos incômodos do dia, desfigura os fantasmas dos pesadelos da noite. A morada de cada homem esconde o que se desfaria no mundo de fora, silencia os ruídos incômodos do dia, desfigura os fantasmas pesados da noite. A morada de cada homem não encobre o seu corpo, mas se torna invisível quando a dor o adormece.
Em suma, casa pode ser entendida como a edificação propriamente dita, a qual está relacionada ao ato de habitar, o habitat corresponde ao setor mais privado, mais intimo no interior que o ser humano pode abrigar, transcende os aspectos físicos da construção em si. A partir dele a edificação ganha vida e surgem as relações simbólicas com o espaço repleto de significado para quem a habita, criam-se laços afetivos com o espaço e com os objetos que o compõem.
A casa torna-se um lar quando se “acende o fogo da lareira”, onde surgem os laços familiares e afetivos. O lar é experienciado a partir das relações interpessoais. Ou seja, a casa se tornará lar quando forem construídas relações simbólicas entre as pessoas que habitam esse espaço e das pessoas com o espaço em que vivem. O lar é impregnado de símbolos, vai muito além do espaço físico.
Nesta pesquisa os termos casa e lar, conforme citado na introdução, serão tratados como sinônimos. Ou seja, ambos serão entendidos a partir da dimensão simbólica e afetiva que os termos carregam, englobando tanto os aspectos físicos quanto as questões subjetivas do espaço habitado.
Nesse sentido, o espaço arquitetônico se faz presente como abrigo de experiências e dos hábitos inerentes às diversas formas de morar .
Como se pode observar casa como conceito universal possui diversas formas, diferentes concepções, que variam de acordo com os elementos culturais de cada povo ou civilização. Dessa maneira a casa pode ser estudada por múltiplas vertentes, diante de diferentes aspectos. Nessa pesquisa julgou-se pertinente estudar acerca da relação do usuário, as crianças e adolescentes em situação de acolhimento, com a casa, ou seja, as relações subjetivas entre o usuário e sua casa.