Obras da modernidade literária
Na contemporaneidade literária é comum deparar-se com obras que foram desenvolvidas a partir de outros textos literários, ou seja, de uma leitura já existente. Este processo é nomeado, por muitos teóricos, como apropriação, que consiste em um processo de ressignificação do texto, este, muitas vezes, bem conhecido pelo público.
A apropriação é um ato dinâmico na história literária que, no âmbito da produção e da recepção, supõe uma relação entre os discursos e o mundo da história. A apropriação literária implica a renovação de tradições literárias que evoluem num ritmo de continuidade, rupturas, retornos e reatualizações discursivas. É uma apropriação consciente e transformativa dos discursos (das estruturas lexicais, semânticas e imagéticas).
Deslocando o trabalho sobre os aspectos textuais
Tendo como base estes conceitos, ocorre, então, um processo de deslocamento da obra em relação aos aspectos textuais. Autores deslocam elementos sociais, culturais ou fragmentos textuais de um texto literário para inseri-los em novas produções.
Tânia Franco Carvalhal, em Literatura Comparada, aponta que “toda apropriação é, em suma, uma ‘prática dissolvente’. A imitação é um procedimento de criação literária.” Como complemento dos ideais de Carvalhal, Kristeva (2012) diz que “o texto é, pois, uma produtividade […] é uma permutação de textos, uma intertextualidade: no espaço de um texto, vários enunciados tomados de outros textos, se cruzam e se neutralizam” (p. 109). A partir de então o texto é visto não somente como original, mas como o entrelaçamento de vozes que partem de diversas fontes e assim compõem a produção literária.
Nas obras há uma correlação das temáticas retratadas, uma apropriação de uma obra pela outra. Em 1984, George Orwell estrutura sua crítica às ditaduras nazifascistas europeias trazendo-as para uma sociedade distópica onde toda uma população está sob os poderes e normas do estado e seu maior representante, O Grande Irmão, que é a retratação mais ímpia do poder autoritário. De forma semelhante, Brandon Sanderson, em Coração de aço, no universo distópico da cidade de Nova York, cria uma figura representativa de poder, O Coração de Aço, para que este imponha normas e deveres para os cidadãos em troca de segurança, para que outros Épicos não os ataquem. Similarmente ao Grande Irmão, Coração de Aço é uma crítica à poderes autoritários e como estes abusam de seu poder para um controle em massa.
Apesar de séculos distintos, Orwell e Sanderson buscam correlacionar suas obras literárias buscando similaridades sociais, históricas e, mesmo que em nações diferentes, culturais, pois a situação de estar sob uma ditadura, um poder abusivo, é verossímil para muitas nações, o que torna as críticas expostas pelos autores mais acessíveis e compreensíveis ao leitor.
Na obra contemporânea, Coração de Aço, o protagonista é caracterizado, em seu mundo, como um indivíduo desprovido de poderes, mas retratado como alguém que detém um enorme conhecimento e memória, desta forma há uma apropriação com a obra mais antiga, pois o protagonista de 1984 é o responsável por modificar a história e é o detentor do passado. Essa semelhança está ligada a intencionalidade do autor, ou seja, a representação da relevância da memória que permanece em discussão a partir da repetição do texto antecessor, como afirma Tânia Franco Carvalhal “Toda repetição está carregada de uma intencionalidade certa: quer dar continuidade ou quer modificar, quer subverter, enfim, quer atuar com relação ao texto antecessor.”